– E então? Já decidiu de que lado vai ficar?
–Essa guerra é uma tolice! Nenhum dos lados tem como sair vitorioso.
– A ditadura deve ser expurgada. O tirano já ficou tempo demais no poder. Meu senhor só quer justiça.
– Ele quer que lutemos contra nossos camaradas! Isso não é justiça. Não vou fazer parte desta matança.
–Pois bem. Direi a meu mestre que sua oferta foi recusada. Você não se aliara a nós.
– Nem com vocês, nem com ninguém.
***
– Fodeu,fodeu,fodeu…
O carro parou de súbito. Bruno estava perdido. Fazia parte de uma das famílias mais antigas da cidade. Era um dos conselheiros do chefão. Um soberano. Agora, se contorcia em seu carro com sua perna quebrada. Uma rixa dentro da gangue a dividira no meio.
– Oh merda…– Tentou dar partida e o carro engasgou.
Bruno sabia que a separação da família a enfraqueceria. Aconselhou Miguel a tentar a paz, mas este o chamou de louco. Então, tentou ele mesmo um acordo com Sam, líder dos rebeldes.
– QUE MERDA!
O líder riu de sua proposta. Mandou que seus homens o espancassem. Bruno conseguiu fugir, porem não antes de uns dos capangas agarrar sua perna. Uma perseguição se seguiu até que sua gasolina acabou. Ele tentou se esconder, mas sabia era tarde. Dez homens armados de fuzil se aproximaram. Notava-se uma asa branca entre eles.
– Miguel… Sam… Seus filhos da puta!
Abrirão fogo. Bruno lembrou da sua infância sofrida, do acolhimento dos padrinhos, de cada roubo e morte que causou em nome da família. Alguns segundos depois, o carro parecia um queijo suíço. Bruno estava morto.
***
– Eles são nossos irmãos…
– Eles nos traíram! Mereceram serem laçados na merda que estão. Samael e sua corja não merecem segunda chance.
– Irmão, peço que reconsidere. A rixa com o porão não levara a nada. Podemos tentar a diplomacia. Um acordo de paz pod…
– Basta! Cansei de suas tolices.
–Miguel… Sou seu primeiro conselheiro, Voz da razão. Só quero que o caminho correto seja tomado.
– Pois bem, Voz da razão, esta destituído. Outro tomara seu lugar enquanto revê seus conceitos. Bem longe daqui.
***
– Bem vindo à cidade prateada!
Bruno abriu os olhos. Estava de pé sob um chão fofo. Sentiu sua perna milagrosamente curada. A sua frente ele viu um enorme portão prateado duplo. Era aguardado por um senhorzinho, com seus oitenta e poucos anos numa guarita ao lado. Vestia uma toga branca com detalhes azuis e prateados. Com ar de cordialidade e um sorriso fraternal, veio em sua direção e perguntou o seu nome.
– B-Bruno– disse o homem sem saber o que acontecia
– Nome completo, por favor.
– Er… Bruno da Cunha Ribeiro
– Bom deixe-me procurar…
O senhor trazia consigo um tablet branco que mexia desordenadamente.
–Você não odeia quando estas coisas travam? Ah, achei!
O velhinho ficou alguns segundos lendo uma ficha que aparecera na tela.
– Muito bem senhor Ribeiro– Falou em um tom mais sério – Vou lhe explicar apenas uma vez, então preste atenção. Atrás desta muralha se encontra a Cidade Prateada, lar dos anjos e das almas bem aventuradas que aguardam o despertar de Deus. Apenas os dignos de coração e sem culpa podem entrar.
O senhor suspirou.
– A pergunta é: Seu coração é puro?
Bruno espantou-se com a pergunta. Sabia onde estava e o que precisava fazer. Lembrou de sua vida como assaltante e imaginou que não era necessariamente um pecador. Afinal, a sociedade o levará a uma vida daquelas. Todos os pecados foram só para conseguir o que nunca lhe foi oferecido.
– Sim– respondeu, quase com certeza
– Pois bem– o velhinho estalou os dedos e o portão começou a se abrir
Dentro havia uma cidade inteiramente feita de prata com ruas pavimentadas por pedrinhas azuis. Edificações de todos os estilos e épocas pendiam para o céu. Dentre elas, castelos medievais, palácios árabes, ocas amazônicas, dojôs imperiais e prédios tão altos quanto o Empire State. No horizonte, uma extensa floresta cobria tudo que se podia ver. Pessoas andavam prá lá e pra cá vestidas com túnicas semelhantes a do velho. Homens e mulheres voavam sobre sua cabeça, todos com um par de asas de penas brancas. Alguns carregavam uma espada, guardada em uma bainha. Outros levavam um arco em uma das mãos e uma sacola de flechas nas costas. Eram absurdamente belos. Do céu, uma luz azul emanava trazendo paz e harmonia. Uma asa negra repousava em um dos bancos de prata. Bruno sentiu o paraíso, o lugar mais belo que já vira. Finalmente, estaria em paz.
– Você mentiu.
O portão se fechara novamente.
– Ma-ma-ma…– O choque impedia Bruno de falar .
–Você mentiu!– O senhor dizia com raiva– Seu coração esta cheio de culpa. Por sua mentira agora pagarás em dobro, pois contemplou o paraíso e o perdeu para sempre. Suma da minha frente!
O velho estalou os dedos novamente e um buraco se abriu aos pés de Bruno, que caiu o por uma eternidade.
–Nenhum mentiroso passa por aqui. Não enquanto Pedro tomar conta das chaves prateadas.
***
– Ora, vejam quem se aproxima. A voz da razão!
– Irmãos, enfim os encontrei! Miguel não me ouve mais. Vim para negociar a paz. Para que vocês possam voltar pra casa! Para sermos uma família novamente!
– Vá se foder seu escroto! Você não sabe o que passamos
– Ma-mas eu só quero ajudar! Só quero a união…
–Não queremos a porra da tua união. Queremos vingança! E vamos começar por você, seu merdinha.
– Não! Eu só queria salvar vocês! Me soltem! Larga a minh…
CRECK
– AAHHHHH!!!
***
– Ora, ora, ora. Mais um maldito pra nossa coleção!
Bruno sentia dor em cada pedaço de seu ser. A última coisa que se lembrava, era da Cidade Prateada, o paraíso. Agora, pisava em um chão espinhento que sangravam seus pés. A sua frente, um portão dourado duplo enorme. Um demônio com asas de morcego e chifres de cabrito o encarava.
– Bem vindo ao Hades, escoria!– Bradou
O portão se abriu e duas algemas vermelhas pularam de dentro, agarrando pulsos e tornozelos do homem. Então, ele foi arrastado pra dentro como se um ser invisível puxasse suas amarras.
– Tenha um bom tormento eterno!– ouviu o demônio gargalhar antes dos portões se fecharem.
O homem sentiu sua alma sendo estraçalhada pelo lugar. Imensas edificações douradas elevavam-se rumo ao céu negro. Todas estavam quase destruídas. As ruas eram pavimentadas com espinhos vermelhos. Por todos os lados, prisioneiros eram torturados das formas mais variadas e horríveis por demônios de igual proporção horrendos. Algumas pessoas usavam um manto preto.
As correntes o levaram até uma mesa de ouro corroído. Um demônio, metade homem, metade lagartixa, o aguardava com um sorriso triplo medonho. Empunhava um machado enferrujado manchado de sangue.
–Olá novato! Vamos começar?– dizia com uma de suas bocas enquanto prendia as algemas a mesa.
O bicho deu-lhe uma machadada que arrancou suas pernas. Em seguida, pegou uma garrafa e despejou seu conteúdo sobre a ferida. O liquido fez sua pele borbulhar. Bruno gritava em agonia, seu pescoço pendendo pra traz. Então, de cabeça pra baixo, avistou um garoto.
Um rapaz, com seus 20 anos, estava sentado em um dos bancos de ouro destruídos. Usava uma camiseta branca que se destacava no ambiente preto e dourado. Seus cabelos eram bem aparados e adquiriam um tom castanho conforme a luz batia. De suas costas brotavam duas asas: Uma era negra igual a do demônio no portão; a outra era branca e lembrava a de um pássaro. Tinha um sorriso depravado com um ar insano. Mas o que mais chamava a atenção eram seus olhos. Um era azul turquesa e o outro vermelho rubi. Bruno se afundou naqueles olhos azul e vermelho. Azul, vermelho. Azul. Vermelho.
***
– Ah… ah… onde estou?…mi-minha asa… dói muito… ah… a cidade prateada… voltei pra casa!… Uziel?… Uziel me ajude! Me ajude meu irmão!Uziel?… Olhe pra mim uziel! OLHE PRA MIM!… ah… por que?… ah… como dói!… o lago! O lago prateado! Vou beber um pouco… ah…ah…ah…a água vai fazer parar um pou… mas o que é isso no reflexo?… minha asa… oh Deus… O QUE ACONTECEU COM A MINHA ASA?!… não Deus… eles… eles devem ter arrancado suas penas… a queimado… oh Deus…OH DEUS!… wah… meus olhos… O QUE ACONTECEU COM MEUS O… he…hehehe….huahahauaha…HUAHAHAHAHUAHAHAAAHUAA…
***
Outra machadada trouce Bruno de volta a seu sofrimento. Dessa vez seu braço direto não estava colado a seu corpo. O demônio pegou um pote cheio de vermes e o encaixou no buraco que substituirá o membro. As criaturas começaram a devorar a carne do homem.
– Vou deixar vocês a sôs- Dizia o demônio sadicamente– Eles querem conhecer melhor seu coração hahaha!
O homem sentia os bichos entrando e devorando seus órgãos do peito. Quando chegaram aos pulmões, o condenado deu um pigarro e dezenas de vermes saíram de seu nariz. O rapaz assistia imóvel em seu banco dourado. Então se levantou e caminhou em direção ao homem .
– Por favor! Me ajude!
– Hum… acho que você não esta muito confortável aí– O garoto observava as criaturas abrindo buracos na pele do infeliz com seu olhos verde esmeralda e laranja Topázio.
– O que! Por favor, cara– choramingava o homem– Me tira daqui eu faço o que tu quiser.
– Realmente você não parece confortável…
– PELO AMOR DE DEUS! ME AJUD…
O homem se engasgou. O vermes chegaram em sua boca e começaram a devorar língua e garganta. Tentou gritar, mas a única coisa que emitia eram sons grotescos.
– Ohooro… ehmm a ohhheee….
– Quem sou eu! Ah, que lindo de sua parte perguntar! Meu nome é Viniel. O Semi-caido. Guardião da loucura. Ex- primeiro conselheiro e voz da razão do arcanjo Miguel. “Aquele que não se encontra nas paginas de Destino”. “Único imprevisível a Deus”. Pão De bataatãaa. Meio anjo, meio demônio. Invisível a ambos. O que transita entre céu, terra e inferno. E outras cozitas.
– hauaeeee! Haueeeaaa!
– Hum… acho que você quer sair daí ? Não… É só impressão minha…
– HAAUAIAAAAA! HUAIAAAHAA!
– Tudo bem! Se você prefere ficar… Mas antes vou lhe dar um presente.
O semi-caído juntou a palma das mãos e ao separaras uma espada de dois gumes surgiu. Sua lamina era metade ouro e metade prata. O cabo, listrado em branco e preto, era incrustado com pedras preciosas de seis cores diferentes. Viniel empunhou-a sobre a cabeça do homem e deu um golpe acertando sua testa. Sangue, miolos e vermes voaram.
– Eu lhe dou a insanidade!– disse puxando a montante do crânio.
Em um movimento com as asas ele e sua espada sumiram. Algum tempo depois, o demônio retornou para checar sua obra. Para sua surpresa e desgosto, Encontrou o condenado completamente curado. Cantava uma musica sobre uma lesma que fugiu do circo.
Bruno estava finalmente em paz.