Smile

Posted in Verdades with tags , , , , , , , , on 11 de Junho de 2013 by vnbuzzetti

cronica_vini

Tem um gato morto na esquina da minha rua. É um gato pequeno, cor amarela que está lá não sei quantos dias, apodrecendo. Enquanto isso o mundo roda, as coisas mudam e seguem seu caminho. Ninguém tem tempo nem pra reparar na criatura. Um rapaz apressado até tropeça no bichano, mas não se importa.

É… Tempos de progresso.

Nos jornais se leem as notícias: maioridade penal, câmara versus tribunal, dentistas queimadas, atentados em Boston… Mais um dia normal. A televisão é que anda estranha: cheia de anões. Não levem a mal, eu até gosto de anões. Mas de onde surgiram? Como surgiram? Por que surgiram? O que essas criaturinhas têm de tão especial para chamar tanta atenção? Na verdade, não sei. Mais uma para o “acredite se quiser”.

Outro dia no programa do Geraldo Luiz (que diz ter começado a “moda dos anões”) havia um vestido de Kim Jong-un. Na legenda, “Anão Jong-un: o pequeno ditador coreano maluco”.  Fiquei chocado. O problema não era ver um anão em um programa “jornalístico” com uma imitação tosca e, contracenando com um galo. Também não era o ponto que chegou a nossa televisão para conseguir audiência.  Pra mim, o grande problema era a piada.

Há não muito mais de 20 anos, o mundo ainda vivia a “guerra fria”. EUA e URSS em pé de guerra sem guerrear, como duas crianças mimadas querendo mostrar quem tinha o melhor brinquedo. No caso, bombas atômicas. Sabem, aqueles de Hiroshima e Nagazaki, das nuvens de cogumelo, do inverno atômico? Que poderiam destruir o mundo com o apertar de um botão? Pois é, parece que nos esquecemos. Hoje não existe mais a URSS e muitos conseguem dormir mais sossegados sabendo disso. A potência está morta, junto com a ideia de bombas explodindo em nossas cabeças.

Ou será que não?

A Coreia do Norte cada vez mais intensifica suas mal criações com sua irmã do sul e já revelou ter poderio atômico. “Ah, mas qualquer coisa os Estados Unidos lançam uma bomba lá e acaba com tudo”. Estamos falando de bombas e não de estalinhos. Isso não é motivo de piada nas redes sociais. O mundo pode acabar amanhã se o louco do Kim Jong-un resolver lançar seus “brinquedinhos”. Um anão fantasiado não demonstra o real perigo em que vivemos. Eu tenho medo, mas todos riem. Talvez não liguem mais por estarem tão absortos na merda que estão.

Talvez seja como o Comediante diz em Watchman. “Quando se percebe que tudo é uma piada, ser o Comediante é a única coisa que faz sentido”. Talvez todos somos como o gato do conto da Alice, que quanto mais sorri, mais desaparece. O mundo sorri e, ao mesmo tempo, seus problemas parecem desaparecer. As bombas podem cair, mas eu quero ser o primeiro a dar risada. O gato da esquina não parece se importar com isso. Continua morto, apodrecendo. E chegam as primeiras moscas.

Olhos

Posted in Verdades with tags , , , , , , , on 26 de Dezembro de 2012 by vnbuzzetti

Era noite de natal. Em um quarto no segundo andar da casa, o garotinho esperava deitado em sua cama. Apesar de já conhecer a farsa, seu coração ainda acreditava. Então deu meia noite. Ele ouviu passos vindos do corredor e um leve aroma de roupa velha. O coração do menino começou a dar saltas de ansiedade e ele fechou os olhos. Um homem vestido de vermelho entrou sorrateiramente.

– Ho ho ho

Ele apertou os olhos e não conteve um sorriso. O homem tirou um embrulho do saco que trazia e colocou embaixo da cama. Aproximou-se do rosto do menino, que pode sentir seu cheiro de suor, e lhe deu um beijo. Se dirigiu à porta do quarto e olhou o menino. Os olhos dele estavam abertos.

***

O pai não conseguia entender. Tinha dado ao filho o presente que ele pedira, mas ainda assim ele chorava em um canto. O homem se aproximou para consola-lo.

– O que foi filho?

–Não é nada…

– Vai… conta pra mim.

– Snif… sinf … Papai Noel não existe…

O homem não se surpreendeu. O menino estava crescendo e certas provações seriam invitáveis a ele.

–Sabe filho… Papai Noel foi um santo chamado Nicolau. Ele deu sua vida a trazer alegria para crianças que não tinham nada. Aquele barbudo da Coca-cola foi invenção para…

–Isso eu sempre soube pai!

– Então, qual é o problema?

–É que eu não acredito mais!

O menino se agarrou ao pai. Com seus 11 anos de idade, toda a magia de natal fugira de sua pobre alma, junto com tudo que representava. E,  para ele, isso só podia significar uma coisa, a pior: deixará de ser criança.

– Eu não quero crescer pai!

O homem afagou carinhosamente a cabeça do menino. Esperou que as lágrimas parassem de escorrer e então disse em uma voz serena.

– Sabe por que gosto do natal? Ele me lembra da minha mãe fazendo rabanada, do meu pai trazendo presentes e deu brincando com uma bola nova com meus amigos. Crescer não é fácil. A gente vai ficando velho e as responsabilidades vão chegando. Mas as lembranças de minha infância vão estar sempre comigo. Por isso meu filho, aproveite cada instante que você puder. E não importa a idade que você tenha, eu vou ser sempre seu Papai Noel.

O menino então virou seu rosto e notou os olhos do pai cheios de ternura e bondade. O mesmo olhar de um velho senhor gordo que se vestia de vermelho e que lhe trouxera seu presente. Ele chorou mais ainda o abraçando forte.

– Te amo pai

– Certo… Vamos pedir pra sua mãe fazer uma rabanada.

olhos

Realidade

Posted in Poetando with tags , , , , , , , on 13 de Outubro de 2012 by vnbuzzetti

Vejo seres de sorte
Enquanto caminho entre bares
em meio aos populares
em todos os lugares
sempre aos pares

Sou invejoso
vejo um casal se amar
e por dentro
começo a esbravejar
a odiar
a chorar
a desejar
por que não eu?

Já amei em minha vida
a primeira era divertida
a segunda metida
e a ultima
esta é minha anja querida

Algumas pessoas
nasceram para amar
outras só para observar
para testemunhar
o amor
de uma mulher com um homem
ou de um homem com  homem
ou de mulher com mulher
ou seja o que Deus quiser
pois o amor não
tem preconceito
mas tem seus eleitos

Minha Rosa
meu doce
minha anja
são lindas
engraçadas
danadas
e por mim serão sempre amadas
mas nunca serão minhas
nem ninguém a de ser
e eu tenho de aprender
que esta é a verdade
e esta na hora
de encarar a realidade

13/04/1974

Posted in Verdades with tags , , , , , , on 2 de Outubro de 2012 by vnbuzzetti

Sexo, Idade: F,21
Cor: Parda
Meio: Enforcamento
Forma de mensagem: manuscrito com Grafite

“Olá, meu nome é Marta. Nasci no dia 20 de março de 1953, em Pernambuco. Faço parte de um grupo revolucionário. Bom, acho que essas são minhas ultimas palavras. Eles me pegaram. Escrevo em uma folha de caderno que guardei em meus sapatos juntos com um pequeno lápis. Deus sabe que ninguém sai vivo do DOPS. Esta solitária só serve pra me deixar com medo. E esta conseguindo.

Quero agradecer meus pais que eu amo muito. Muito mesmo. E a minha avó. E a minha gatinha. Mãe te amo! Eu nunca mais vou brigar com você. Desculpa por tudo. Pai, seu carinho foi o que me deu forças. Vó, minha vozinha querida, nunca mais vou te abraçar ou comer um pedaço de seu bolo de cenoura. Felpuda, minha gatinha linda, não poderei mais acariciar os pelos de sua barriguinha, nem ter meus braços arranhados por suas brincadeiras. Amo todos vocês. Obrigada!

Eu não aguento mais. Eles me pegaram na faculdade durante a aula de filosofia. 10 homens de preto armados. Deram porretadas em todo mundo. Mataram os professores João e Miguel, justo os que me revelaram a verdade destes militares de merda. Obrigada por me ensinar que o mundo pode ser um lugar melhor. Obrigada aos meus amigos camaradas: Christopher, Leandro, Ana, Jessica e Camila. E a você Dany, minha melhor amiga. O que seria de mim sem você, sua vaca! Adeus.

Não quero morrer. Deus! Eu não quero morrer! Eles fizeram isso comigo. Estes porcos capitalistas filhos da puta! Me prenderam! Me usaram! Me humilharam! Ameaçaram quem eu mais amo. Oh Deus. Aquela cadeira de ferro maldita. Não tenho mais pelos nos braços e minha cabeça parece uma batedeira! Eles davam choques e jogavam água. Só pra dar risadas! “Sua cadela comunista! É isso que você merece!” é o que eles diziam.

Eles me deixaram nua. Colocaram uma barata dentro de mim! Eu senti aquele bicho se remexendo dentro de mim! Deus! Eles me usaram! Eles me fizeram…  Não tenho forças pra continuar. Dói a alma. Não que tenha sobrado alguma coisa. Rebeca meu amor. Eles a mataram na minha frente. Deram cinco tiros na coitadinha só pra eu ver seu corpo pular. “Lésbicas nojentas!”. Por que seria nojenta? Só por ser diferente? Ah Rebeca, minha amada Rebeca. Faço isso principalmente por você. Em breve vou poder acariciar de novo seus cabelos lindos e beijar sua boca perfeita.

Pra mim, chega. As paredes deste lugar parecem querer se fechar sobre mim. A morte será minha liberdade. Não sei como, mas vou conseguir. Vou morrer.

Obrigada meus camaradas! Não fui uma guerreira muito forte, mas lutei o até onde pude. O Brasil é um lugar maravilhoso. Espero que cuidem dele. Desculpem-me a fraqueza.  Por favor. Adeus e obrigada

Marta Nogueira Prestes

13 de setembro de 1973”

A mulher foi encontrada morta em 14 de setembro de 1973, com suas roupas enroladas a seu pescoço penduradas por uma lâmpada. Não há registros de seu corpo. Esta carta Foi encontrada em 2009 durante a reforma da antiga delegacia do DOPS em Fortaleza, em um buraco de umas das solitárias.

Rosa imaculada

Posted in Poetando with tags , , , , , on 27 de Setembro de 2012 by vnbuzzetti

 

Oh minha rosa amada
essa menina danada
tua voz é uma bela canção
que roubou meu coração

Iluminam-me suas cores
seus olhos encantadores
que refletem o céu anil
com a sua graça juvenil

És uma mocinha pura
mergulhada em loucura
que sabes o que é sonhar
e seus sonhos realizar

Nunca há de ser colhida
minha amada flor querida
pois não existe digno ser
que seu amor mereça ter

Amada eternamente
por esse pobre demente
que antes de te avistar
não sabia se apaixonar

Filosofando II

Posted in Filosofando with tags , , , , , , on 24 de Setembro de 2012 by vnbuzzetti

Para Lords e Ladys

“Por que Lord? Por que Lady?” Vocês podem estar se perguntando. Por que são escritores. Para mim, a arte de escrever é mágica. Podemos, com ela, moldar o mundo a nossa maneira. Mas são poucos os que se aventuram a escrever. Afinal, em uma aventura, podemos ser heróis ou vilões, e ninguém quer ser taxado de vilão. Poucos são os que escrevem. Digo escrever de verdade e não apenas assinar documentos ou preencher formulários. Estes seres possuem a coragem de desbravar um mundo novo, de enfrentar monstros (muitas vezes internamente) e conquistar territórios. Então, nada mais justo que receberem um titulo adequado.

Meus parabéns a Lords e Ladys.

Espero que algum dia seja digno de tal honra.

Semi-Caído

Posted in Semi-Caído with tags , , , , , , , on 21 de Setembro de 2012 by vnbuzzetti

– E então? Já decidiu de que lado vai ficar?

–Essa guerra é uma tolice! Nenhum dos lados tem como sair vitorioso.

– A ditadura deve ser expurgada. O tirano já ficou tempo demais no poder. Meu senhor só quer justiça.

– Ele quer que lutemos contra nossos camaradas! Isso não é justiça. Não vou fazer parte desta matança.

–Pois bem. Direi a meu mestre que sua oferta foi recusada. Você não se aliara a nós.

– Nem com vocês, nem com ninguém.

***

– Fodeu,fodeu,fodeu…

O carro parou de súbito. Bruno estava perdido. Fazia parte de uma das famílias mais antigas da cidade. Era um dos conselheiros do chefão. Um soberano. Agora, se contorcia em seu carro com sua perna quebrada. Uma rixa dentro da gangue a dividira no meio.

– Oh merda…– Tentou dar partida e o carro engasgou.

Bruno sabia que a separação da família a enfraqueceria. Aconselhou Miguel a tentar a paz, mas este o chamou de louco. Então, tentou ele mesmo um acordo com Sam, líder dos rebeldes.

– QUE MERDA!

O líder riu de sua proposta. Mandou que seus homens o espancassem. Bruno conseguiu fugir, porem não antes de uns dos capangas agarrar sua perna. Uma perseguição se seguiu até que sua gasolina acabou. Ele tentou se esconder, mas sabia era tarde. Dez homens armados de fuzil se aproximaram. Notava-se uma asa branca entre eles.

– Miguel… Sam… Seus filhos da puta!

Abrirão fogo. Bruno lembrou da sua infância sofrida, do acolhimento dos padrinhos, de cada roubo e morte que causou em nome da família. Alguns segundos depois, o carro parecia um queijo suíço. Bruno estava morto.

***

– Eles são nossos irmãos…

– Eles nos traíram! Mereceram serem laçados na merda que estão. Samael e sua corja não merecem segunda chance.

– Irmão, peço que reconsidere. A rixa com o porão não levara a nada. Podemos tentar a diplomacia. Um acordo de paz pod…

– Basta! Cansei de suas tolices.

–Miguel… Sou seu primeiro conselheiro, Voz da razão. Só quero que o caminho correto seja tomado.

– Pois bem, Voz da razão, esta destituído. Outro tomara seu lugar enquanto revê seus conceitos. Bem longe daqui.

***

– Bem vindo à cidade prateada!

Bruno abriu os olhos. Estava de pé sob um chão fofo. Sentiu sua perna milagrosamente curada. A sua frente ele viu um enorme portão prateado duplo. Era aguardado por um senhorzinho, com seus oitenta e poucos anos numa guarita ao lado. Vestia uma toga branca com detalhes azuis e prateados. Com ar de cordialidade e um sorriso fraternal, veio em sua direção e perguntou o seu nome.

– B-Bruno– disse o homem sem saber o que acontecia

– Nome completo, por favor.

– Er… Bruno da Cunha Ribeiro

– Bom deixe-me procurar…

O senhor trazia consigo um tablet branco que mexia desordenadamente.

–Você não odeia quando estas coisas travam?  Ah, achei!

O velhinho ficou alguns segundos lendo uma ficha que aparecera na tela.

– Muito bem senhor Ribeiro– Falou em um tom mais sério – Vou lhe explicar apenas uma vez, então preste atenção. Atrás desta muralha se encontra a Cidade Prateada, lar dos anjos e das almas bem aventuradas que aguardam o despertar de Deus. Apenas os dignos de coração e sem culpa podem entrar.

O senhor suspirou.

– A pergunta é: Seu coração é puro?

Bruno espantou-se com a pergunta. Sabia onde estava e o que precisava fazer.  Lembrou de sua vida como assaltante e imaginou que não era necessariamente um pecador. Afinal, a sociedade o levará a uma vida daquelas. Todos os pecados foram só para conseguir o que nunca lhe foi oferecido.

– Sim–  respondeu, quase com certeza

– Pois bem­– o velhinho estalou os dedos e o portão começou a se abrir

Dentro havia uma cidade inteiramente feita de prata com ruas pavimentadas por pedrinhas azuis. Edificações de todos os estilos e épocas pendiam para o céu. Dentre elas, castelos medievais, palácios árabes, ocas amazônicas, dojôs imperiais e prédios tão altos quanto o Empire State. No horizonte, uma extensa floresta cobria tudo que se podia ver. Pessoas andavam prá lá e pra cá vestidas com túnicas semelhantes a do velho. Homens e mulheres voavam sobre sua cabeça, todos com um par de asas de penas brancas. Alguns carregavam uma espada, guardada em uma bainha. Outros levavam um arco em uma das mãos e uma sacola de flechas nas costas. Eram absurdamente belos. Do céu, uma luz azul emanava trazendo paz e harmonia. Uma asa negra repousava em um dos bancos de prata.  Bruno sentiu o paraíso, o lugar mais belo que já vira. Finalmente, estaria em paz.

– Você mentiu.

O portão se fechara novamente.

– Ma-ma-ma…– O choque impedia Bruno de falar .

–Você mentiu!– O senhor dizia com raiva– Seu coração esta cheio de culpa. Por sua mentira agora pagarás em dobro, pois contemplou o paraíso e o perdeu para sempre. Suma da minha frente!

O velho estalou os dedos novamente e um buraco se abriu aos pés de Bruno, que caiu o por uma eternidade.

–Nenhum mentiroso passa por aqui. Não enquanto Pedro tomar conta das chaves prateadas.

***

– Ora, vejam quem se aproxima. A voz da razão!

– Irmãos, enfim os encontrei! Miguel não me ouve mais. Vim para negociar a paz. Para que vocês possam voltar pra casa! Para sermos uma família novamente!

– Vá se foder seu escroto! Você não sabe o que passamos

– Ma-mas eu só quero ajudar! Só quero a união…

–Não queremos a porra da tua união. Queremos vingança! E vamos começar por você, seu merdinha.

– Não! Eu só queria salvar vocês! Me soltem! Larga a minh…

CRECK

– AAHHHHH!!!

***

– Ora, ora, ora. Mais um maldito pra nossa coleção!

Bruno sentia dor em cada pedaço de seu ser. A última coisa que se lembrava, era da Cidade Prateada, o paraíso. Agora, pisava em um chão espinhento que sangravam seus pés. A sua frente, um portão dourado duplo enorme. Um demônio com asas de morcego e chifres de cabrito o encarava.

– Bem vindo ao Hades, escoria!– Bradou

O portão se abriu e duas algemas vermelhas pularam de dentro, agarrando pulsos e tornozelos do homem. Então, ele foi arrastado pra dentro como se um ser invisível puxasse suas amarras.

– Tenha um bom tormento eterno!– ouviu o demônio gargalhar antes dos portões se fecharem.

O homem sentiu sua alma sendo estraçalhada pelo lugar. Imensas edificações douradas elevavam-se rumo ao céu negro. Todas estavam quase destruídas. As ruas eram pavimentadas com espinhos vermelhos. Por todos os lados, prisioneiros eram torturados das formas mais variadas e horríveis por demônios de igual proporção horrendos. Algumas pessoas usavam um manto preto.

As correntes o levaram até uma mesa de ouro corroído. Um demônio, metade homem, metade lagartixa, o aguardava com um sorriso triplo medonho. Empunhava um machado enferrujado manchado de sangue.

–Olá novato! Vamos começar?– dizia com uma de suas bocas enquanto prendia as algemas a mesa.

O bicho deu-lhe uma machadada que arrancou suas pernas. Em seguida, pegou uma garrafa e despejou seu conteúdo sobre a ferida. O liquido fez sua pele borbulhar. Bruno gritava em agonia, seu pescoço pendendo  pra traz. Então, de cabeça pra baixo, avistou um garoto.

Um rapaz, com seus 20 anos, estava sentado em um dos bancos de ouro destruídos. Usava uma camiseta branca que se destacava no ambiente preto e dourado. Seus cabelos eram bem aparados e adquiriam um tom castanho conforme a luz batia. De suas costas brotavam duas asas: Uma era negra igual a do demônio no portão; a outra era branca e lembrava a de um pássaro. Tinha um sorriso depravado com um ar insano. Mas o que mais chamava a atenção eram seus olhos. Um era azul turquesa e o outro vermelho rubi. Bruno se afundou naqueles olhos azul e vermelho. Azul, vermelho. Azul. Vermelho.

***

– Ah… ah… onde estou?…mi-minha asa… dói muito… ah… a cidade prateada… voltei pra casa!… Uziel?… Uziel me ajude! Me ajude meu irmão!Uziel?… Olhe pra mim uziel! OLHE PRA MIM!… ah… por que?… ah… como dói!… o lago! O lago prateado! Vou beber um pouco… ah…ah…ah…a água vai fazer parar um pou… mas o que é isso no reflexo?… minha asa… oh Deus… O QUE ACONTECEU COM A MINHA ASA?!… não Deus… eles… eles devem ter arrancado suas penas… a queimado… oh Deus…OH DEUS!… wah… meus olhos… O QUE ACONTECEU COM MEUS O… he…hehehe….huahahauaha…HUAHAHAHAHUAHAHAAAHUAA…

***

 Outra machadada trouce Bruno de volta a seu sofrimento. Dessa vez seu braço direto não estava colado a seu corpo. O demônio pegou um pote cheio de vermes e o encaixou no buraco que substituirá o membro. As criaturas começaram a devorar a carne do homem.

– Vou deixar vocês a sôs- Dizia o demônio sadicamente– Eles querem conhecer melhor seu coração hahaha!

O homem sentia os bichos entrando e devorando seus órgãos do peito. Quando chegaram aos pulmões, o condenado deu um pigarro e dezenas de vermes saíram de seu nariz. O rapaz assistia imóvel em seu banco dourado. Então se levantou e caminhou em direção ao homem .

– Por favor! Me ajude!

– Hum… acho que você não esta muito confortável aí–  O garoto observava as criaturas abrindo buracos na pele do infeliz com seu olhos verde esmeralda e laranja Topázio.

– O que! Por favor, cara– choramingava o homem– Me tira daqui eu faço o que tu quiser.

– Realmente você não parece confortável…

– PELO AMOR DE DEUS! ME AJUD…

O homem se engasgou. O vermes chegaram em sua boca e começaram a devorar língua e garganta. Tentou gritar, mas a única coisa que emitia eram sons grotescos.

– Ohooro… ehmm a ohhheee….

– Quem sou eu! Ah, que lindo de sua parte perguntar! Meu nome é Viniel. O Semi-caido. Guardião da loucura. Ex- primeiro conselheiro e voz da razão do arcanjo Miguel. “Aquele que não se encontra nas paginas de Destino”. “Único imprevisível a Deus”. Pão De bataatãaa. Meio anjo, meio demônio.  Invisível a ambos. O que transita entre céu, terra e inferno. E outras cozitas.

– hauaeeee! Haueeeaaa!

– Hum… acho que você quer sair daí ?  Não… É só impressão minha…

– HAAUAIAAAAA! HUAIAAAHAA!

– Tudo bem! Se você prefere ficar… Mas antes vou lhe dar um presente.

O semi-caído juntou a palma das mãos e ao separaras uma espada de dois gumes surgiu. Sua lamina era metade ouro e metade prata. O cabo, listrado em branco e preto, era incrustado com pedras preciosas de seis cores diferentes. Viniel empunhou-a sobre a cabeça do homem e deu um golpe acertando sua testa. Sangue, miolos e vermes voaram.

– Eu lhe dou a insanidade!– disse puxando a montante do crânio.

Em um movimento com as asas ele e sua espada sumiram. Algum tempo depois, o demônio retornou para checar sua obra. Para sua surpresa e desgosto, Encontrou o condenado completamente curado. Cantava uma musica sobre uma lesma que fugiu do circo.

Bruno estava finalmente em paz.

Bicho

Posted in Poetando with tags , , , , , , , on 20 de Setembro de 2012 by vnbuzzetti

Os Retirantes, Candido Portinari

Bicho desgraçado
bicho desgraçado some
esquece que tem fome
esquece que tem nome

Deus te pôs no mundo pra sofre
e não adianta quere
você não vai conseguir
sair dessa situação imunda
até a sujeira da minha bunda
é melhor do que você

Bicho desgraçado some
esquece que tem fome
maldita gente pobre
vestida de trapos
carrapatos
não tem nem sapatos
vem pedir esmola
pra depois cheirar cola

Bicho desgraçado some
esquece que tem nome
por que o Brasil
o verdadeiro Brasil
é um canil
onde gente mora no lixo
e infecta a sociedade
na mais pura vaidade
por querer comer
por querer ter
por querer viver

Bicho desgraçado
és odiado
pisoteado
abandonado
morto
mas não desiste
resiste
em não deixar de existir
em continuar a progredir
comendo a merda que sobra
pra não ter fome
pra ter um nome
e não some
pobre

Filosofando I

Posted in Filosofando with tags , , , , , on 19 de Setembro de 2012 by vnbuzzetti

Sou perturbado?
por que seria?
penso em morrer
não morro
penso em matar
não mato
penso em ser feliz
não sou
penso em desistir
não consigo

O que sinto
o que penso
o que escrevo
é verdade
é mentira
os dois
nenhum
não interessa
nem pra mim
nem pra ninguém

Sou Louco sem ser
não sou louco sendo
mas o que é loucura?
falta de razão?
onde esta a razão?
no amor?
na amizade?
na ciência?
a ciência cria bombas
na religião?
cria fanáticos

Razão é uma desculpa
uma ilusão
não existe razão
as coisas são como são
são como queremos que seja

Ser louco é entender isso
é viver na própria imaginação
no próprio mundo
nos próprios pensamentos
na própria liberdade

Bem aventurados sejam
os loucos

Jesus

Posted in Verdades with tags , , , , , , , on 18 de Setembro de 2012 by vnbuzzetti

“O Senhor é o meu pastor, nada me faltará.”
Salmos 23:1

Fé é um dom, e eu não fui agraciado com ela.

Robert Langdom (Anjos e Demônios)

Outra ficha apareceu na tela do computador. Dei uma olhada. Produto: Um fogão de quatro bocas. Data da compra: 13 de janeiro de 2007. Valor original da compra: 799 reais e 99 centavos. Valor atualizado com juros: 1856 reais e 59 centavos. Situação no Serasa: negativado. Taxa de desconto: nenhuma. Nome do cliente: Eustaquia clemente dos santos. Idade: 48 anos.

– É… Lá vamos nos de novo.

Por toda empresa, funcionários gritavam, xingavam ou dormiam. Os supervisores rodeavam como urubus. O chefe mexia freneticamente seu notebook (provavelmente pesquisando onde seria suas próximas féria ). Disquei o numero residencial e aguardei. Tocou três vezes antes que uma voz de mulher atendesse.

– Alo?

– Alo bom dia! Meu nome é Fabrício e trabalho com as Lojas Arasas. Por gentileza, a senhora Eustaquia se encontra?

– É… peraí.

O velho truque do “peraí”. Era obvio que era a Eustaquia, e óbvio também que sabia do que se tratava. Ela só queria ganhar tempo pra pensar nas respostas que daria.

“São todos iguais”

Algumas dezenas de segundo depois, a mesma voz retornou ao telefone.

– Oi! É… eu sou a Eustaquia.

– Olá senhora Eustaquia,Vai tudo bem com a senhora? Meu nome é Fabricio e gostaria de conversar com a senhora sobre um débito pendente que acabou ficando no nome da senhora. A senhora sabe do que se trata?

–Ér… não. não sei qué isso não…

Fiquei meia hora fazendo o mesmo discurso chato de sempre. Falei da divida, o que era e quanto estava devendo. E como sempre, repeti tudo umas três ou quatro Vezes. Finalmente ela “lembrou” de tudo.

– Sabe que é meu filho, nunca ganhei nada dessa vida. Moro em um barraco aqui na vila, tenho três filhos pra cuidar e ganho uma merreca de 600 paus por mês com uns bicos que eu faço. Isso não dá nem pra comer meu filho.

— Mas a senhora se comprometeu a pagar quando recebeu o produto. A senhora usufruiu o produto e deve por honra pagar.

A velha lenga-lenga sentimental. Os supervisores exigiam que falássemos da maneira mais cordial possível. Nunca dava certo.

– Hum– disse a mulher— o senhor espera um pouco?

– Claro senhora.

Do outro lado da linha, dava pra a ouvir discutindo com um homem. Marido dela provavelmente. Demorou uns bons minutos antes dela retornar.

– Tudo bem. Quanto da pra você parcelar?

– 10 vezes de 185 reais.

— Espera mais um pouco.

Mais discussão.  Era obvio que não ia topar. Provavelmente iria ficar irritada e me xingaria, como a maioria fazia. Mas ao invés disso ela aceitou a proposta.

– Vai ficar apertado– concluiu– mas eu devo e vou pagar.

– Tudo bem. Vamos então atualizar o cadastro da senhora.

Organizei a ficha como era de costume. Não estava necessariamente feliz, mas sabia que aquele acordo me garantiria mas alguns dias de trabalho.

– Pronto– disse finalizando– Agora só é preciso aguardar a efetivação do acordo.

–Ah que bom! Sabe, agente aqui é humilde. Não tem muitas coisas pelas redondezas, a não ser o mar. Ah, o mar lindo. Cê já viu o mar meu filho? Ele é como um lago só que maior e a água é meio esquisita e …

Esperar a efetivação do acordo era o mais chato. Não se tinha mais o que falar e não podia desligar o telefone. Sempre era uma conversa chata ou um silencio constrangedor. A mulher continuava sem perceber que não lhe dava atenção.

– … e tem umas casinhas amarelas perto do templo. Por falar no templo, eu vou no culto depois de noite. Nos vamos ler a passagem do filho pródigo.

– Que bom senhora.

– Você acredita em Deus meu filho?

Me Surpreendi com a pergunta. Nunca fui religioso. Deus para mim era uma ideia abstrata, difícil de definir. Existe, mas com certeza não é nada parecido com o que padres e pastores descrevem.

– Claro

– E Jesus? Você acredita nele né?

Outro problema. Jesus foi um grande homem, um grande filosofo e um grande exemplo. Mas não era um Deus encarnado na terra.

–Claro que sim, senhora.

– Sabe, eu quero abrir um salão de beleza  e eu sei que se eu trabalhar, Jesus vais dar um pra mim. Deus e Jesus vão dar um pra mim.

Petrifiquei. A mulher devia mas que o triplo que ganhava por mês. As parcelas consumiriam um terço de seu salário. Mal daria pra ela se sustentar, quanto mais os filhos. Era praticamente impossível conseguir abrir este salão. Mas ela tinha fé. E sua fé a fazia seguir em frente. A fazia enxergar uma luz em meio a trevas. Como alguém poderia dizer que estava errada? Que seu Deus não existia? Como lhe dizer para ser racional, se a razão só lhe traria dor e sofrimento? E de onde vinha essa fé? Eu não conseguia compreend…

– Alo, alo, tem alguém ai?

– Ah claro– Despertei– O acordo já foi confirmado. Vou enviar o boleto para a residência da senhora.

– Muito obrigada! Deus te abençoe.

Desligou

“Não. Ela não vai conseguir”.

Um supervisor bateu em minha mesa e apontou para a tela. Outra ficha apareceu e eu continuei meu trabalho.